Ficar ou voltar?
Viver em outro país envolve muitas mudanças. Mesmo nos considerando independente e mente aberta, vivenciar outra cultura, outra língua, hábitos diferentes, outro tipo de trabalho, são definitivamente grandes mudanças. Situações de ansiedade, apatia, medo, alegria, tristeza, insegurança, dúvida, mudanças de comportamento podem surgir ou ser intensificados durante o processo de adaptação. Somado a tudo isso, tem os sentimentos relacionados ao que deixamos para trás, por exemplo, carreira, família, amigos, trabalho ou simplesmente o ritmo do dia-a-dia.
Diante de tantas mudanças e desafios derivados do processo imigratório é comum se fazer a pergunta “Fico ou Volto?”. Se eu ficar como vai ser a questão da saudade, será que diminui com o tempo? Vou ser feliz aqui ou lá? Como vai ser meu futuro? Se eu voltar será que vou me arrepender? O que os outros vão pensar se eu desistir? Como lidar com a projeção e pressão do julgamento daqueles que não desistiram, daqueles que nos apoiam nos incentivando a continuar? Sem falar na pressão que sentimos através da mídia social, no qual o desistir e o fracassar não tem espaço. Esses dilemas permeiam a mente de todos que tentam construir uma vida nova em outro país.
Ficar pode significar persistir e seguir em frente com o sonho de intercâmbio ou imigração, algo planejado por longo tempo e com investimento financeiro e afetivo. Porém, ficar também significa vivenciar experiências que causam desprazer, como a dificuldade de adaptação com a nova cultura e língua, a perda do seu status na sociedade, pois (“…aqui somos apenas mais um na multidão”), a inabilidade de navegar no sistema australiano, a falta de conhecimento de onde recorrer e pedir ajuda em momentos que vivenciamos, pela primeira vez, situações como preconceito, vergonha, abuso ou conflitos domésticos, (“…aquilo que em casa era muito fácil aqui é quase impossível”), todas essas diferenças podem se apresentar como uma das grandes dores de morar em outro país. Experimentar a ausência dos seus queridos, os rituais que fazem parte de você ser parte de sua comunidade, a impotência pela distância física nos faz experimentar uma certa culpa por querer seguir o nosso sonho, que está localizado longe das pessoas que mais amamos.
E se eu voltar? Vou conseguir me readaptar? Ouvimos estórias constantes do choque cultural no retorno, que apesar de ser nossa casa não é mais como nós lembramos. Porque nós já não somos os mesmos. Pensar em estar próximo aos que amamos, em participar de todos os rituais de aniversário, casamentos, comemorações, em ter o conforto da língua mãe e da cultura conhecida, pode ser um convite ao retorno. Mas será que serei feliz? Será que conseguirei um trabalho melhor do que o anterior? Ou aquelas antigas frustrações vão voltar? Infelizmente não existe uma resposta única e absoluta para esse dilema.
O processo imigratório tem fases e, muitas vezes, essas fases vão e voltam e tem duração diferente para cada pessoa. No início, ao chegar a um país novo, sentimos como que em lua de mel. Temos o benefício da novidade, tudo é moderno, tudo funciona, a cidade é limpa, organizada e segura. Sentimos-nos deslumbrados e encantados com tudo. Quando começamos a vivenciar as dificuldades de adaptação, iniciamos o processo do choque cultural, experimentando um desconforto emocional e físico, já que nada é familiar. Temos dificuldade em nos expressar e em nos encaixar nessa nova cultura. Esse momento pode ser o mais doloroso, mas é de extrema importância, pois é o período de ajustamento e transformação. É preciso passar por transformações para se tornar bicultural, o momento em que nos sentimos parte do novo ambiente, da nova comunidade e da nova cultura.
Quando chegamos a um novo país, trazemos conosco a nossa cultura e nossa estória. Ter flexibilidade é necessário para entender como o novo país pulsa. A capacidade de acolher o que o país escolhido tem a oferecer e de se envolver com essa nova cultura revelam nossa capacidade de resiliência. No momento em que nos deparamos com dificuldades repetidamente é muito comum de nós querermos voltar para um espaço já conhecido e cômodo, mas não necessariamente útil para negociar as dificuldades deparadas. É natural se tornar rígido e apontar o dedo a essa comunidade que não te entende, que não sabe te abraçar, que é grosseira ou rude, mas o preço disso é que podemos cair em um espaço de sofrimento contínuo, quando na verdade, essa rigidez é simplesmente o coração que está procurando conexões e que ainda não encontrou o acolchoamento emocional e espiritual que cada um de nós precisa no nosso viver. A flexibilidade em se adaptar as mudanças e aos altos e baixos vivido no cotidiano irá tornar esse processo menos doloroso. Não há uma regra, uma receita ou um conselho milagroso de como viver todo o processo de imigração. Cada pessoa vivencia as fases desse processo de forma individual, e se comparar com as experiências dos outros pode ser perigoso, pois corrermos o risco de rejeitar a nossa própria estória e o nosso próprio ritmo. Todos nós vamos passar por esse processo, evitá-lo pode causar ainda mais sofrimento porque estamos negando a base da transformação humana. Somos seduzidos a pular algumas fases que são cruciais para qualquer processo de transformação e amadurecimento, mas esse pulo pode vir com um preço muito alto de nos incapacitar de se conectar com os momentos difíceis de nossa vida, como o filosofo Nietzsche fala “O que não nos mata nos deixa mais forte”.
Caso você queira conversar sobre isso com respeito e compaixão o Capa está aqui para te apoiar.