O Processo de Adaptação e Suas Fases
No nosso texto anterior falamos sobre a Experiência do Choque Cultural. Hoje, aprofundaremos este tema, pois a partir deste conceito surge a teoria da Curva em U, que considera que o processo de adaptação a uma nova cultura passa por cinco fases: a fase da Lua-de-Mel, a fase do Cheira Mal, a fase do Fundo do Poço, a fase da Luz no fim do Túnel e a fase Bicultural. Estas fases, apesar de serem discutidos em um processo linear, geralmente acontecem multidimensionalmente.
A fase Lua-de-mel é caracterizada pelo encantamento com a nova cultura e a fascinação com tudo que o novo nos apresenta. Esta fase pode durar semanas ou meses, dependendo de cada processo. Para aqueles que não desejaram mudar de país ou viver em uma nova cultura, como esposas ou maridos que estão acompanhando seus cônjuges, ou filhos que estão acompanhados seus pais, a fase lua-de-mel passa muito rápido. Há ainda algumas pessoas que não vivenciam essa fase, indo diretamente para o choque cultural.
A fase Cheira Mal surge quando o sujeito se depara com as dificuldades de ser um imigrante. Essas experiências vão desde a dificuldade com o idioma, a burocracia para abrir uma conta no banco ou alugar um apartamento, até a mudança de papéis sociais, como uma mulher passar de advogada para dona de casa, ou de um profissional com uma carreira estabelecida para cleaner, motorista, etc. Com o passar do tempo, as diferenças culturais se tornam irritantes e humilhantes e toda a dificuldade parece não ter solução.
A fase Fundo do Poço é esperado que passemos por ela. Independente da pessoa, a resiliência pessoal e familiar é desafiada. Isso tudo é intensificado pela sensação de não pertencimento ao lugar e pela falta de apoio de amigos e familiares. No início desta experiência de viver em outro país, é raro para o imigrante ou intercambista ter o mesmo status pessoal e profissional que tinha em seu país de origem. E isto é comum por causa da falta de engajamento local e do desajeitamento social, e subitamente começamos a ser tratados como e/ou nos achamos estúpidos. Este momento de “estupidificação” pelo povo local somado aos nossos próprios julgamentos internalizados pode gerar momentos de baixa autoestima.
Quando a pessoa consegue superar essa fase, que pode ser traumática, ela caminha em direção à fase Luz no Fim do Túnel. É importante considerar, no entanto, que alguns imigrantes podem estagnar na fase Cheira Mal. É comum observar intercambistas, mesmo com a passagem de volta comprada, não se adaptarem à nova realidade. E não há nada de errado nisto. No entanto, é recomendado que a pessoa consiga lidar com seus sentimentos de tristeza e ansiedade, a fim de conseguir de alguma forma vivenciar positivamente sua experiência de estar fora do Brasil. Para isso, existem os serviços de saúde mental, como aconselhamento e psicoterapia e, ainda, os centros de apoio ao estudante nas universidades.
A fase Luz no fim do Túnel acontece quando o indivíduo começa a assimilar sinais e formas de comportamentos da nova cultura. Em outras palavras, quando já conseguimos reconhecer aspectos do lugar e do comportamento social e já não nos sentimos um total estranho. Esta fase é lenta e são comuns ciclos de crise e adaptação durante este processo.
A última fase, chamada de Bicultural, acontece quando a pessoa apresenta um domínio suficiente do ambiente e da nova cultura. Não significa que a cultura de origem foi abandonada, ou que a pessoa mudou completamente sua identidade e comportamento, mas que é capaz de se adaptar ao novo ambiente e se comportar segundo os padrões da nova cultura. Não só somos aceitos nesta cultura, mas também a aceitamos. Nesta fase, podemos experimentar um equilíbrio psicológico e emocional inexistente na fase do Cheira Mal. O interessante é que depois de um tempo vivendo como imigrante ou intercambista, o retorno ao país de origem pode criar também um outro choque cultural.
Esperamos que este texto o tenha ajudado a entender com outra perspectiva a mudança emocional e psicológica que o processo de mudança cultural pode provocar. Se você quiser saber mais sobre o assunto, sugerimos alguns textos:
- Berry, John Acculturation: Living successfully in two cultures. International Journal of Intercultural Relations, Volume 29, Issue 6, Pages 697-712
- González, Juan Miguel Rosa, & Oliveira, José Arimatés (2011). Os efeitos da expatriação sobre a identidade: estudo de caso. Cadernos EBAPE.BR, 9(4), 1122-1135. Retrieved October 19, 2015, from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167939512011000400011&lng=en&tl ng=p
- Joly, Alteridade: ser executivo no exterior. In: CHANLAT, Jean-François (coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1996.
- Lysgaard, Adjustment in a foreign society: Norwegian Fulbright grantees visiting the United States. International Social Science Bulletin, 7, 45-51, 1955.
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