Em 1951, o termo “choque cultural” foi definido pela antropóloga Cora DuBois como os sentimentos que uma pessoa vive ao estar diante de uma nova realidade cultural na qual nem sempre é possível atribuir significados, ou seja, o sofrimento da perda da própria cultura e as dificuldades por não conseguir entender aspectos do novo ambiente.
É neste momento que o imigrante, intercambista ou expatriado se percebe vivendo “no entre” – entre uma cultura e outra, entre o lugar de origem e o de agora, entre a expectativa do que imaginava encontrar e a realidade que o recebeu. Subitamente se desenvolve um desajeitamento cultural. Além dos desafios de um novo idioma temos que enfrentar o desafio de navegar em um sistema novo, no qual muitos pontos de referência cultural que nunca foram questionados no nosso país de origem podem ser considerados ofensivos aqui na Austrália, por exemplo: o modo de gesticular e de cumprimentar as pessoas.
Esta experiência de estar “no entre” pode desencadear sentimentos de ansiedade e angústia, e em alguns casos desenvolver episódios de depressão. Viver em um novo país é diferente do que estar de férias e todos sabemos disto. É no dia a dia que estes desafios se tornam reais e somos forçados a questionar como nos relacionamos com o meio ambiente (a cultura) e com as pessoas. Mas o que “teoricamente” está claro, no dia a dia não é tão simples, pois somos forçados a questionar quem somos, como somos tratados e como agimos. Geralmente os relacionamentos mais próximos são os primeiros afetados quando a pessoa experimenta dificuldades de se adaptar e compreender uma nova cultura.
A ruptura de relações, dificuldades de relacionamento, perda de antigos papéis e assimilação de novos são exemplos de como o estresse pode aumentar nesta situação. É surpreendente como conflitos entre casais podem surgir em um contexto de imigração por causa desta pressão constante da cultura nova. Ainda, em casais bi culturais, uma grande parte dos conflitos de relacionamento são baseados em mal-entendidos e/ou diferenças na compreensão de atitudes culturais internalizadas. As sutilezas de como lidamos culturalmente com intimidade, conflitos e desejos emergem quando interagimos mais intimamente em outro ambiente, com diferentes pessoas e organizações.
É interessante observar que mesmo quando uma pessoa tem o domínio do idioma a entonação pode criar desentendimentos, por exemplo: em português, quando pedimos um favor, o pedido está embutido no modo de falar
e não necessariamente utilizamos as palavras “por favor”. Na Austrália, se não falarmos especificamente “please”, independente da nossa entonação, a interpretação dos australianos é que somos mal-educados. Em festas sociais, muitos australianos não tocariam na comida sem serem diretamente servidos. Isto porque o ato de se servir (em certas classes culturais australianas) pode ser rude.
Ainda, quando servimos a comida, normalmente existe uma interação com a pessoa que está servindo, que geralmente para o brasileiro pode gerar uma certa irritação. Um ato que para nós levaria 3 segundos para o australiano leva 3 minutos. A maioria dos brasileiros ajuda a arrumar a cozinha depois de um jantar na casa dos outros. No entanto, para alguns australianos (dependendo se originário de classe trabalhista ou classe média) ajudar a arrumar a cozinha não faz parte da etiqueta, ou seja, para nós seria rude não ajudar, para eles, cozinhar e arrumar é responsabilidade de quem convida.
Para o imigrante, a vivência do choque cultural tem uma correlação com experiências de luto e/ou de perda.
Elas sentem como se tivessem perdido alguém, que neste caso é a cultura da qual faziam parte, a base de como lidam/lidavam com o dia a dia. Subitamente somos forçados a “usar a outra mão”. E o conflito sobre como lidar com uma cultura diferente, que agora é dominante, é o grande desafio. Por outro lado, o paradoxo e o privilégio de viver em um país novo nos dá a possibilidade de ser ambidestro, de usar as duas mãos. Como lidamos com isto define como sofremos ou desabrochamos em uma cultura nova.
Escrito por: Fernanda de Paoli e equipe CAPA Austrália
Fernanda é Coordenadora Geral do CAPA (Centro de Atendimento Psicológico na Austrália). Formada em Psicologia e Teologia no Brasil e mais de 10 anos de experiência trabalhando como terapeuta com jovens, família e crianças.